Diários de ônibus, trens e até caminhão...

A ideia de um blog surgiu da intenção de mostrar meu Diário de Bordo a todos os amigos e da impossibilidade de fazê-lo com a rapidez que eu gostaria. Vai ele agora entrar na rede!

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Local: Divinópolis, MG, Brazil

17.10.05

Dia 9 – sábado 16/07


- Deserto de Atacama (dia 3), San Pedro de Atacama (Chile), San Pedro-Calama -

Combinamos com o motorista de acordar às 4h para sairmos às 5h porque deveríamos visitar mais alguns lugares e chegar a tempo pra pegar o único ônibus pra San Pedro. Acordei sem despertador desesperado de dor de cabeça e rezando pra estarmos perto das 4h. Olhei no meu relógio: 2h15. Saí de dentro do saco, sentei na cama apesar do frio e fiquei massageando a cabeça e tentando me convencer de que aquilo passaria logo. Nunca senti uma dor de cabeça tão forte na vida, me dava tontura e enjôo. Só de pensar no banheiro e no seu fedor, já ajudava no convencimento de que aquilo passaria. Sentia uma sede grande e a única garrafa que tinha estava quase vazia. Bebi poupando os goles pra mais tarde. Fiquei ali tanto tempo que acordei os demais. Um por um, eles começaram a conversar e isso também me ajudou. O Uans também acordou e acabou com meu suprimento de água. Segurar aquela dor toda foi o melhor e mais audacioso trabalho psicológico da minha vida. Deitei depois de um tempo sem fechar o saco de dormir porque me sufocava – preferi sentir um friozinho a mais. Fui vencido pelo cansaço e dormi em seguida. Acordamos às 4h, arrumamos as coisas e ficamos esperando o motorista que não chegava nunca. O Uans e eu fomos obrigados a tomar um dorflex do nosso amigo pra agüentar a dor. Melhoramos em 15 minutos e não tivemos mais nada. Às 5h30 demos uns 7 passos da porta do hotel até o carro parado em frente e quase congelamos – literalmente! Fazia um frio de -30º e os cinco com todas as suas roupas, dentro do carro fechado – o motorista, inabalável, estava no teto amarrando as mochilas – tremíamos de frio. Durante o caminho todo daquela manhã, todos ficamos mexendo com os dedos dos pés para que não congelassem. Nossa viagem pelo deserto entrava no seu último dia. Vimos o sol sair de trás das montanhas na subida ao vulcão Licancabur. Chegamos à altitude máxima da viagem no Deserto de Atacama: 4900m acima do nível do mar, ao lado do vulcão. Dali fomos ver os gêiseres e seguir até a Laguna Blanca – maravilhosa – e, ao lado dela, a Laguna Verde – sensacional, de longe, a mais linda de todas. Apenas o Uans e eu descemos do carro pra admirá-la e tirar fotos – fazia um frio sem igual e o vento quase atirou aos dois barranco abaixo até a lagoa. A vista é simplesmente impressionante. Não parecia que eu estava ali de verdade, parecia uma superprodução que colocava aquela imagem da lagoa enorme e inteiramente verde no meio daquela poeira do deserto, no meio do nada, com o Licancabur imediatamente atrás de si. As fotos não conseguem mostrar a beleza daquilo! Voltei ao carro correndo porque o vento assim quis que fosse. Dali de perto sairia o nosso ônibus pro Chile. Os brasileiros estavam impacientes lá dentro. Chegamos na tal “estação” depois de percorrer ao todo 860km no deserto e encontramos o resto dos turistas que faziam o mesmo percurso. Tomaríamos café-da-manhã, mas como um dos brasileiros havia esquecido seu saco de dormir alugado lá no hotel, o motorista nos deixou ali sem comida doido de raiva. O Uans e eu, que nada tínhamos com aquilo, sentimos dó dele e pesar por não termos tido a chance de agradecer pelo passeio muitíssimo em conta.

Pegamos nosso ônibus pra San Pedro e chegamos até a fiscalização da fronteira, uma casinha de tijolo e cimento no meio do nada onde o motorista cuidava da burocracia. Todos esperando lá dentro, vimos o motorista demorar o dobro do tempo normal pra percorrer a distância da tal casinha ao ônibus por causa do vento que o arrastava pra trás. E o ônibus, lotado com aproximadamente 30 pessoas, balançava muito, como se várias pessoas do lado de fora o empurrassem de um lado pra outro. Dali até o solo chileno eram poucos metros. Soubemos onde começava o Chile pelo asfalto – que não víamos havia já alguns dias. Na viagem curta, cochilei um pouco e quando acordei não vi o horizonte. Acordei o Uans e mostrei a janela: havia uma tempestade de areia naquele momento. A nuvem de poeira que vimos devia ter uns 10m de altura. Passar pela fronteira do Chile foi difícil não pela revista de malas, mas pela areia batendo na cara.

Ficamos inteiramente empoeirados quando descemos em San Pedro pra pegar mais poeira ainda. Escolhemos o albergue onde dividiríamos quarto com os mesmos brasileiros e saímos, apenas nós dois, pra trocar dólares (100 Pesos chilenos valiam mais ou menos R$0,50), procurar uma agência e começar o passeio naquele dia mesmo. Fomos muitíssimo mal atendidos e recebemos a notícia de que os passeios só seriam possíveis dali a dois dias por causa da tempestade. Vimos também o abuso nos preços dos passeios, sem contar que eles duravam apenas meio dia, teríamos que ficar a tarde toda sem fazer nada depois de um passeio pela manhã. Até que, numa terceira agência, um cara nos atendeu bem e nos disse que se havíamos visto tudo o que vimos em Uyuni, San Pedro, onde planejávamos ficar uns quatro dias, não nos traria novidades. Decidimos então abandonar aquela cidade cara, empoeirada e que nos recebeu tão mal e subir logo pra Arica - fronteira com o Peru. Teríamos quatro dias de sobra. Compramos nossas passagens até Calama (95km dali, que custaram apenas um pouco mais que a Coca-Cola que bebemos num restaurante) e as de lá até Arica – deixamos nossas malas na própria agência, em San Pedro, para, até a saída do ônibus à noite, passearmos mais tranqüilamente. O engraçado é que as malas ficaram ao lado do balcão, no chão mesmo, à vista de todos e aos cuidados da mulher que atendia as pessoas e o telefone ao mesmo tempo – o importante, na maioria das vezes, é ter fé. Sairíamos de noite. Aproveitamos pra andar um pouco pela cidade e planejar melhor a viagem a partir dali, já que tínhamos poucas oportunidades pra isso. Depois disso, lembrei-me de ver na internet que havia um museu na cidade e o encontramos facilmente. Depois de uma rápida visita, voltamos pro albergue pra negociar um banho com a mulher. Acontece que o Uans falou em português (“banho”) e a mulher, claro, pensou em espanhol (“baño” – que significa simplesmente banheiro). Imagina o que ela não pensou quando entendeu que queríamos negociar um preço pra usar o "baño" do hostel... Tivemos que sair pela cidade pra perguntar e até encontrar um hostel que tinha uma entrada de garagem e, ali mesmo e com uma janela que qualquer um alcançava, um banheiro que alugavam pra banhos (em português). Pagamos a moça e cada um tomou seu banho valioso depois de tantos quilos de poeira (até lavei um pouco a beirada da calça e da jaqueta), baixamos mais algumas fotos em CD e corremos pro ônibus que - como sempre acontecia no nosso caso - já estava saindo. A viagem foi rápida e tranqüila até Calama. Na rodoviária de lá, tivemos tempo pra lavar as roupas rapidamente na pia do banheiro e, pra esperar a saída do outro ônibus, pedimos um “sandwich churrasco”, esperando um baita dum hambúrguer de boi e o que recebemos foi um pão enorme com salada e... salsicha! Belo churrasco o deles! Por cima havia um molho verde que cobria tudo. Olhamos aquilo, olhamo-nos desconfiados e, na fome que nos matava, devoramos tudo em segundos. E não é que o tal molho verde era que dava o "tchan" na coisa toda? Ficamos batendo papo e assistindo a um programa de calouros chileno (não menos ridículo que os nossos) até fechar o restaurante. Depois saímos e sentamos no chão da rodoviária e o Uans comprou uma barra de chocolate “Bambino”, tão barata que me deixou preocupado, mas que também nos surpreendeu de tão gostoso. A viagem pra Arica foi um sono só, pra variar, desmaiamos.