Diários de ônibus, trens e até caminhão...

A ideia de um blog surgiu da intenção de mostrar meu Diário de Bordo a todos os amigos e da impossibilidade de fazê-lo com a rapidez que eu gostaria. Vai ele agora entrar na rede!

Nome:
Local: Divinópolis, MG, Brazil

17.10.05

Dia 16 – sábado 23/07


- Huaráz (dia 4: Laguna Churup), Huaráz-Lima -

Acordaríamos às 6h, mas o incidente das camisas nos fez abrir os olhos somente às 8h. Nada de a loja abrir e tomamos nosso sagrado café-da-manhã – nunca poderia imaginar que tomaria tanto suco de laranja nessa viagem! –, pegamos a dica de onde pegar a van pra fazer o passeio daquele dia (que seria por conta própria, ou seja, sem pagar a agência) e ficamos esperando até as 9h30, quando a loja finalmente abriu e a sacola, ufa, estava lá. Pegamos a van às 10h até a comunidadezinha de Llupa, a 3650m acima do nível do mar. A partir daí, o caminho seria todo a pé até a Laguna Churup, a 4450m. Na caminhada desde Llupa, que é de uma subida muito leve, quase plana e passando por Pitec (um povoado ainda menor, quase imperceptível), até a entrada do parque, paramos três vezes pra literalmente sentar e descansar. Quando chegamos à entrada do parque, onde os micro-ônibus deixam os turistas para subirem a montanha com todo o fôlego, o porteiro nos disse que faltavam ainda 2 horas de subida até a lagoa. Primeiro achamos que era brincadeira, mas ele não estava sorrindo... E o pior é que, a partir de lá, a subida seria muito forte. O Uans, pra variar, desapareceu na frente e eu fiquei afastado pra curtir a vista impressionante e tirar umas fotos. Mas como não teríamos muito tempo até a última van para Huaráz (18h), não podia ficar parado. A subida é muito cansativa e os dois nos lembramos imediatamente de quem, dos nossos amigos que ficaram, seria o primeiro a desistir se estivesse ali. Quando se olha pra cima, o topo está bem distante e só depois de andar muito e chegar nesse “topo” é que a gente percebe que há outro “topo” a ser alcançado, e assim por diante, sem parar. Não sabíamos exatamente a que distância estávamos, apenas seguimos a trilha, separadamente. Num certo ponto, diante de uma pedra de apenas uns 3 metros de altura, sem muitos lugares de apoio e com um difícil acesso pra mim que estava de mochila, fiquei uns 3 minutos pensando em como subir e quase desisti. Depois desse tempo, que aproveitei também pra pegar mais fôlego, fiz a subida bem devagar e calculada. Lá de cima, apenas olhei pra baixo e calculei o estrago que seria uma queda dali. Logo depois dessa subida desgastante, pois uma mochila de 5kg pesa uns 50kg na altitude, a trilha estava logo à frente, mas meu instinto infalível pela escolha de caminhos difíceis entrou mais uma vez em ação e fui parar na trilha do povo que chega à entrada do parque de micro-ônibus e sobe com todo o gás fazendo trekking pelas subidas mais subidas de todas! Mal sabia eu que estava entrando na trilha do mais cansativo, arriscado e, por isso, melhor trekking da minha vida! Foi muito, muito bom, gastei ao todo meia hora a mais que o Uans pra chegar lá encima, mas dentro das 2h previstas pelo cara da entrada e passando por paredões totalmente em pé, literalmente abraçado à pedra.

Lá encima, nem foto descreve... A lagoa, a 4450m, apresenta simplesmente todos os tons de verde e azul ao mesmo tempo, cores que nunca tinha visto, e é cercada de paredões de muitos e muitos metros de altura. Ao fundo está o Nevado Churup. Primeiro dei uma volta ao redor dela e parei pra descansar numa pedra afastada, longe dos gringos. A vista muda constantemente e impressiona como se fosse a primeira a cada dez passos que se dá. Depois, voltei ao ponto principal e arrumei uma pedra plana triangular bem na beirada da lagoa e deitei pra relaxar – como disse ao Uans, meu limite de resistência física tinha ficado a muitos metros abaixo naquela subida toda. Uma das melhores fotos foi tirada ali, em que apareciam meus pés cruzados um sobre o outro na beirada da pedra, logo em seguida a lagoa de várias cores e, ao fundo, o paredão. Dali mesmo aproveitei pra encher minha garrafa de água e esvaziá-la duas vezes boca abaixo de uma vez. Enchi uma terceira vez pra descida e, saindo dali, um francês me perguntou se eu tinha bebido daquela água – claro! e se não tinha problema; minha resposta foi muito natural: “Não senti nada de estranho.” e, diante da cara de “não acredito que ele teve a coragem” que ele fez, acrescentei pra tranqüilizar: “Não tem problema, é água de nevado, muito limpa...”. Não sei se tranqüilizou mesmo ou se piorou porque fui rapidamente garantir meu almoço (que tinha ficado com o Uans): duas esfihas que, de tão frias, só comi uma e matei (parte de) o resto da fome com biscoitos de chocolate e pedaços de chocolate em barra.

Descemos muito rápido – pra baixo, até a altitude ajuda – e preocupados com o horário de saída da última van pra Huaráz. Pelo que subimos, ainda tinha muito, mas muito chão mesmo pra descer. Fomos até rápido demais e deu tempo ainda pra parar numa pedra que fazia uma ponta de frente para o desfiladeiro, para o lado da cachoeira, e curtir a paisagem. Continuamos a descida depois de uns 15 minutos e chegamos ao ponto da van um pouco antes das 16h – muita folga. Esperamos impacientemente por meia hora e voltamos pra cidade. Nossas bagagens mais pesadas tinham ficado no hotel (sem custo adicional, claro) e fomos negociar com a louca da mulher um preço legal pra tomar banho. Ela teve a audácia de cobrar 5 Soles de cada um! Isso depois de dizer que adorava brasileiros e tinha ido com nossa cara! E naquele banheiro que já conhecíamos! Depois dessa, combinamos de cada um gastar pelo menos uma hora debaixo d’água, só por desaforo. Com isso, meu banho durou ao todo uma hora e meia e o do Uans, uns 15 minutos a menos, acho. Depois saímos pra comprar passagem, descarregar as fotos em CD e mandar notícias por e-mail; deu tempo também de fazer minha segunda ligação, dessa vez pra Cris, em Divinópolis – muito barato, 2 Soles por alguns minutos que revigoraram os ânimos (dos dois, acho). Só não pensei foi no fuso-horário, no Peru a diferença é de duas horas antes e eu liguei depois das 21h, mas estavam todas acordadas na casa dela. Mais tarde fomos procurar outro restaurante (estávamos a fim de comer bem) e acabamos encontrando o melhor deles – de um cara de Lima, que tinha mudado pra lá em fevereiro, bigodudo e careca, parecendo um marinheiro de filme americano, daqueles que andam com uma peixeira na mão e um lenço na cabeça. Ele não ligou de comprarmos Coca gelada em outro lugar e até mandou seu filho ir buscar uma para nós (não permitimos, claro), nos serviu um respeitoso prato de frango frito e bateu um bom papo. Pegamos um ônibus de noite com rumo a Lima porque não havia estrada direta pra Cuzco dali – isso queria dizer que passaríamos obrigatoriamente pela “rodovia da morte” peruana: Lima-Cuzco. No ônibus, assistimos ao Million dollar baby e apagamos depois do passeio mais desgastante da viagem; e, um dado que adianto e que me será importante mais tarde nesse relato: usei o banheiro nessa madrugada, no ônibus, pela última vez até o dia seguinte às... bom, depois eu falo.