Diários de ônibus, trens e até caminhão...

A ideia de um blog surgiu da intenção de mostrar meu Diário de Bordo a todos os amigos e da impossibilidade de fazê-lo com a rapidez que eu gostaria. Vai ele agora entrar na rede!

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Local: Divinópolis, MG, Brazil

17.10.05

Dia 17 – domingo 24/07




- Lima-Nazca, Nazca-Puquio, Puquio-Cuzco -

Acordamos em Lima pela manhã e, na indecisão entre Nazca e Arequipa, compramos passagem pra Nazca mesmo (que já é bem perto de Arequipa) porque todos os ônibus pra Cuzco desde Lima estavam cheios, inclusive os que sairiam no dia seguinte. Saímos para o café, com o detalhe que o Uans toma e me passa um susto de repente procurando a carteira nos bolsos e dizendo que tinha sido roubado. De volta ao “terminal” (o nosso, dentre vários) ele viu que tinha deixado tudo na mala que estava no guarda-volumes.

Tome viação Flores pra Nazca! Um dos piores – é difícil saber qual o pior – ônibus de toda a viagem. Ele já sai da rodoviária sujo – farelos de tudo o que existe pra se comer espalhados no chão, garrafas plásticas vazias y otras cocitas más –, fora os vendedores de tudo o que existe pra comer, beber, usar, pendurar, passar, ler... e fora o DVD no último volume (os peruanos em geral não têm a menor noção quanto a isso) com um faroeste do Clint Eastwood na adolescência, com tiros pra todo lado – durma quem puder! Uma mulher chegou a pendurar seu “cabide” de tralhas encima de nossas cabeças pra andar mais tranqüilamente pelo corredor – só rindo pra não jogar aquilo pela janela! O pior dessa história é que esses vendedores todos viajam conosco até as cidades que há pelo caminho.

Passamos por lugares horríveis e não menos sujos que o ônibus e paramos num restaurante à beira mar – de novo o Pacífico! – que era simplesmente asqueroso. Os pratos servidos tinham suas amostras no balcão e não sei como os peruanos interpretavam aquilo, mas, em português, nós lemos como: “Vão embora, não há comida pra você aqui!”, ou pelo menos: “Agüente mais um pouco, você nem está com tanta fome assim...”. Numa televisãozinha, lá no fundo, clipes barangos (ao extremo!) de música baranga (idem) num volume descomunal da mesma cantora, também baranga. É inacreditável o mau gosto musical com que tivemos contato nessa viagem. Almoçamos os famosos e salvadores biscoitos de chocolate pra segurar as pontas, passamos pela cidade de Ica, onde se sentiu mais forte o terremoto de junho – agora sem maiores problemas – e, finalmente, chegamos a Nazca às 16h30, mais ou menos.

A cidade, muito feia, ressalte-se, assim como Lima, não possui um terminal, mas várias agências separadas. Um taxista circulou conosco por elas e, também assim como Lima, não havia vaga em nenhum ônibus pra Cuzco naquele nem no dia seguinte. Foi o mesmo taxista quem disse que é comum negociar com os motoristas de ônibus pra se viajar, pagando menos, na cabine ou até no bagageiro, o que dependeria da boa-vontade deles. E haveria um saindo dali às 17h. Quando ainda pensávamos na possibilidade de esperar, ele teve a idéia de chamar um caminhoneiro à nossa frente pra nos dar uma “carona” – entre aspas porque, claro, pagaríamos um pouco do valor da passagem. Ele aceitou e estava saindo naquele momento. Nossa idéia era amanhecer em Cuzco pra aproveitar o dia já com um passeio. Ouvíamos a rádio La Caribeña – "esa si, suena", que, pra nossa felicidade, no meio da Cordilheira dos Andes, já no início da viagem, não pegava mais. Forneci meu mantimento de boa música brasileira que agradou bastante ao nosso motorista.

Já de início, duas preocupações: primeiro a estrada estreita – já estávamos na rodovia da morte – onde só cabia um veículo de cada lado e, depois disso, um desfiladeiro de até 700m; segundo a viagem, que era só de subida, o que, num caminhão com carga dupla como aquele, significava uma média de 25km/h. O motorista nos disse que chegaríamos em Cuzco somente na noite do dia seguinte. Pra quem queria economizar tempo, digamos que aquilo era a maior furada de toda a viagem. Mas aquela viagem pra Cuzco estava só começando...

Paramos em Puquio, a duas horas e meia de Nazca – no nosso caso, quatro horas e meia. O caminhoneiro foi muito gentil e nos deixou junto do ônibus que pegaríamos pra Cuzco (outra “carona”). O Uans foi acertar com o motorista do ônibus e eu fui pegando nossas malas no caminhão – deixei uma das minhas fitas com nosso amigo de presente. Nossa passagem teria um preço menor porque viajaríamos na cabine do motorista e, saindo naquela hora (mais ou menos 21h30), chegaríamos em Cuzco de manhã no dia seguinte, como queríamos; mas ainda nesse ponto, a viagem estava só começando... Pra guardar as malas no bagageiro foi um custo. Pra começar, o ônibus estava com o dobro do tamanho por causa das bagagens que iam encima. O menino que ajudava o motorista abriu o primeiro maleiro: uma caixa de madeira enorme, do tamanho do bagageiro (onde um acabava a outra começava) e, sem chances, não cabia nem uma mosca. Ele abriu então o segundo: outra caixa idêntica! Quando abriu o terceiro, só vimos as asas de um peru que se debatia agarrado à porta! Pelo menos achamos que era um peru – àquela hora da noite e com tanta agitação de asas não pudemos nos certificar. Vai o menino fechar o maleiro e o tal peru desaparece lá dentro, sempre se debatendo assustado. Por fim, com as malas guardadas, tomamos nossos lugares naquele ônibus superlotado, em sua cabine também superlotada. No corredor tinha gente deitada, agachada, em pé, de forma que não dava nem pra ver onde o ônibus acabava. Na cabine, além do motorista – e sua música brega que, pelo volume, quase ocupava o lugar de uma pessoa –, havia atrás dele um velhinho muito velhinho e muito enrugado que cochilava (não sei como, com todo aquele barulho) sentado de costas pra janela e com os pés virados pro meio da tampa do motor. Do outro lado, na única poltrona ali, um cara que parecia ser amigo do menino ajudante. Nos dois degraus que davam pro corredor e os assentos do fundo, encostado na porta que tinha sido dificilmente fechada, um adulto com uma menininha de aproximadamente um ano no colo e, na frente dele, na tampa do motor, o menino ajudante. Eu fui mais à frente na tampa, servindo de apoio pros pés do velhinho, e o Uans ficou na escada de entrada do ônibus, com a porta como travesseiro – o importante é chegar em Cuzco pela manhã e, pagando pouco, então, era tudo que precisávamos. Perto das 23h paramos para el baño – um descampado ao lado da estrada –, tirei água (acumulada da madrugada anterior) dos joelhos, cotovelos, tornozelos... um minuto inteiro sem parar.

A viagem começou animada, apesar da tensão: a estrada continuava estreita e o desfiladeiro agora chegava a 1000m; o pequeníssimo acostamento antes dele parecia um cemitério – um monte de cruzes brancas, uma atrás da outra, que nos acompanhariam o tempo todo até o final da viagem –; o ônibus era um estilo Teixeirão BH-Divinópolis antigo, pesado de malas e pessoas daquele jeito e, pra ajudar, o motorista pisando muito – em alguns momentos ele fazia 80km/h! O bate-papo entre todos na cabine (com exceção do pai com a menina e do velhinho que dormia) estava animado principalmente quando souberam que éramos brasileiros, o que acabou nos desviando a atenção da estrada e nos deixando menos tensos.