Diários de ônibus, trens e até caminhão...

A ideia de um blog surgiu da intenção de mostrar meu Diário de Bordo a todos os amigos e da impossibilidade de fazê-lo com a rapidez que eu gostaria. Vai ele agora entrar na rede!

Nome:
Local: Divinópolis, MG, Brazil

17.10.05

Dia 20 – quarta-feira 27/07


- Águas Calientes, Águas Calientes-Ollantaytambo, Ollantaytambo-Urubamba, Urubamba-Cuzco, Cuzco, Cuzco-Puno -

De manhã a água continuava gelada e, então, cansados de ter que brigar por causa de todas as contas que tínhamos que pagar em todo o Peru para ser mal-atendidos, pegamos, cada um, um cobertor "100% llama", que nos tinha permitido dormir sem o saco de dormir pela primeira vez na viagem, e que foi carinhosamente por mim batizado de “lhaminha”. Não precisamos nem esconder muito porque a portaria estava absolutamente vazia, provavelmente pra evitar as reclamações. Entramos no trem de volta pra Ollantaytambo e, a cada parada deste pra dar passagem a outro trem no sentido contrário, eu lembrava o Uans do nosso cobertor dizendo com voz “microfonada”: “Señores pasajeros, no saliremos más de aquí hasta que aparezcan las llamitas desaparecidas.”. A viagem de volta foi mais longa e já chegamos ao hotel querendo sair logo – mesmo porque sabíamos que aquele tinha sido o último passeio da viagem, teríamos à frente, apenas de passagem, o Lago Titicaca e o famigerado Trem da Morte. Arrumamos as malas (o Uans foi obrigado a se sentar nas suas pra caber tudo) e pegamos nossa van: com capacidade pra 12 pessoas, ela chegou a Urubamba com mais de 30 (perdemos a conta de quantas exatamente). Dali pegamos o micro-ônibus até Cuzco, almoçamos no centro, de novo passando raiva com o serviço que queria nos fazer de bobos, e de novo com o Uans esperando com as malas enquanto eu dava um giro pela cidade pra encontrar Coca gelada.

Enquanto eu ainda esperava no terminal, ele disse que tinha passado pela Plaza de Armas pra procurar o tal restaurante e voltado e que não tinha nada de mais interessante pra se ver, mas como me lembrava das fotos de minha mãe e as da internet, pra procurar a Coca gelada, acabei passando por lá e achei maravilhoso – só não encontrei a Coca gelada. Conheci muitas ruas da cidade à procura do nosso refrigerante de lei. Tivemos que nos conformar com uma apenas fria, batemos boca com o dono do restaurante pra pagar o preço combinado pelo serviço combinado e fomos à rodoviária num táxi pra comprar a passagem pra Puno (à beira do Titicaca) para aquela noite. Assim, teríamos a tarde toda livre pra passear e visitar a feira de artesanato que, segundo os brasileiros que encontramos na Bolívia, era a melhor de todas, principalmente pra achar os broches com as bandeiras dos países que eu procurava.

Saindo da rodoviária, perguntei a um taxista que buzinava insistentemente (é regra entre os peruanos buzinar constantemente e sem motivo) pra nós onde ficavam as feiras da cidade. Ele me indicou o caminho e disse que cobraria 4 Soles pra nos levar até lá. Eu agradeci e disse que iríamos a pé mesmo. – Três e meio, insistiu ele. – Não, moço, muito obrigado, só queríamos mesmo saber onde é. – Vamos, três Soles! Daí expliquei que estávamos sem dinheiro depois da extorsão em Machu Picchu e que pouco teríamos pra gastar na feira propriamente. E ele ainda insistiu: –Dois Soles! Como eu não tinha acreditado naquilo, pedi pra ouvir de novo. – Dois e cinqüenta, disse ele, eu levo vocês por dois e cinqüenta. Fazer negócio é com eles mesmo... – Não, obrigado mesmo, preferimos ir a pé. A meio caminho de volta pra calçada, onde o Uans esperava aquela longa conversa, ainda ouvi um grito abafado pelas janelas do carro apertado: “Les dejo por dos Soles, señor!”, a que agradeci com um gesto e seguimos de volta para o centro. Não é que quiséssemos economizar tanto, na verdade queríamos conhecer a cidade com calma, fora do carro, e nada melhor que caminhar, ainda que tenham sido uns vinte quarteirões. Passamos pelas feiras, compramos algumas coisas (encontrei meus broches de bandeiras) e fomos fazer hora na Praça de Armas logo quando começou a escurecer – tinha certeza que o Uans não tinha passado realmente por ela.

Foi o que ele confirmou quando chegamos lá, é o único lugar bonito da cidade e tínhamos obrigatoriamente que conhecer. Nosso ônibus sairia às 21h30, então teríamos muito tempo ainda. Ficamos num dos vários banquinhos depois de visitar uma igreja e vimos que, em frente ao prédio do governo, preparavam um telão. Pensamos que seria alguma festa cívica, ou o aniversário da cidade ou uma comemoração adiantada do Dia da Independência que estava chegando. E, à medida que o tempo passava, a praça ficava mais cheia e a temperatura caía mais um pouco, e eu era o único de camiseta de mangas curtas! Uma hora depois e só havia gente de gorro na cabeça, luvas, jaquetas e meias grossas, e eu tão agasalhado quanto num dia ameno em Belo Horizonte...

Mais ou menos às 19h, soubemos que dali a meia hora no telão iriam exibir a final do Torneo Apertura, o encerramento da primeira fase do campeonato peruano, com nada menos que o Cienciano – clube de Cuzco – disputando a taça! O jogo seria na própria Cuzco, mas mesmo assim o telão levou muita gente à praça. Só não comprei a camisa do time porque, além da falta de dinheiro, ela é, com tantos patrocinadores, mais feia que a do Guarani de Divinópolis. Ficaríamos ali o suficiente pra ver o primeiro tempo com sobra. Foi tremendo de frio que eu me misturei no meio do povão que ficou ali e me culpei por não ter levado a máquina pra registrar aquela cena, inacreditável! O melhor é que, mesmo com a praça tomada, não tivemos a menor dificuldade pra assistir à partida, dado o tamanho bastante inferior da grande maioria dos nativos. Inferior também é a torcida deles, que comemorou modestamente o gol da sua equipe, que podia até empatar pra garantir o título sem depender do resultado da equipe de Lima, segunda colocada e que jogava naquele mesmo momento. Fomos embora pra rodoviária também a pé e, pra matar (ou amenizar) meu frio, muito rapidamente. Mas fui eu mesmo quem encontrou e propôs um pulinho na frente do estádio onde acontecia o jogo, que ficava a três ou quatro quarteirões do nosso caminho. Era um lugar afastado, mas passavam até mulheres com crianças àquela hora sem problemas. Perguntei o preço do ingresso: 15 Soles – lotação máxima. (Ah se eu tivesse dinheiro, tempo e ficado sabendo desse jogo antes...) Chegamos então à rodoviária e pegamos o ônibus pra Puno, já começando a volta ao Brasil.