Diários de ônibus, trens e até caminhão...

A ideia de um blog surgiu da intenção de mostrar meu Diário de Bordo a todos os amigos e da impossibilidade de fazê-lo com a rapidez que eu gostaria. Vai ele agora entrar na rede!

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Local: Divinópolis, MG, Brazil

17.10.05

Dia 18 – segunda-feira 25/07


- Puquio-Cuzco, Cuzco, Cuzco-Urubamba, Urubamba-Ollantaytambo, Ollantaytambo -

Mais tarde, porém, mais ou menos a 1h30, todos no ônibus dormiam com exceção de mim e do Uans. Não citei o motorista porque até esse teve seus cochilos – literalmente! Estávamos distraídos e só não dormíamos porque a estrada era assustadoramente perigosa quando percebemos que o nosso motorista dava umas pescadas de boca aberta que nos fazia arregalar os olhos. O Uans não agüentou o sono e apagou sentado na escada. A cada curva ele batia na porta com a cabeça e eu apoiei meu joelho contra as costas dele pra firmá-lo naquele “travesseiro”. Agora sim, só eu não tinha dado meu cochilo naquele ônibus e, preocupado, puxei assunto até onde não tinha com o motorista. Perguntava sobre Nazca e ele só dizia “No sé.”, perguntava sobre Cuzco e: “No sé.”. Foi o bate-papo mais difícil e tenso da minha vida, até que ele mesmo apareceu com seus assuntos e ficou mais fácil.

Depois de manter não sei como o motorista e a mim mesmo acordados por várias horas, ainda de madrugada, ele me invade o acostamento e entra numa estradinha de terra e cascalho também de subida e também com o abismo enorme ao lado, com a pequena diferença que, dessa vez, só cabia (e mal) o próprio ônibus e, se algum veículo aparecesse descendo do outro lado, ficaríamos parados ali até não sei quando. Mas a paisagem não dava a menor impressão de existir um só ser vivo num raio de 100km! Não parávamos de subir e, quando parecia que estávamos sendo seqüestrados, eis que surge uma cidadezinha no meio daquele nada! Paramos na praça central (centro que devia ser toda a cidade) e descemos pra que as pessoas de trás pudessem descer: o ônibus esvaziou. Onde menos esperávamos, desceram 95% dos passageiros e, até que todos saíssem e, depois deles, suas bagagens, foi uma hora e meia. Pra nosso alívio, trocou-se o motorista, que foi dormir no maleiro, então escolhemos nossas poltronas e, finalmente, pude dormir algumas horas naquela noite. Poucas, porque não passou muito tempo, o menino ajudante do motorista me chamou pra ver alguma coisa que não entendi com as nossas malas. Quando desci, ele me disse que estávamos em Abancay – que estaria, pelo que tinha visto, uns 200km de Cuzco – e que aquela era a parada final daquele ônibus, teríamos que pegar outro que estava saindo dali naquela hora (mas, claro, teríamos que pagar as passagens dele!). Deixei o menino esperando e fui acordar o Uans, que era quem tinha acertado com o motorista. Só disse que ele não ia acreditar no que estava acontecendo e ele já olhou com aquela cara de desconfiado e esperando já o impossível... Descemos e ele foi bater boca com o novo motorista, com o menino e pediu depois pra acordar o primeiro motorista. Abriu-se o maleiro. Ele acordou levantando o gorro da cara e ainda meio sonso de sono, só respondeu à pergunta do Uans sobre como tinha sido o acordo: “Cuzco.”, e voltou a dormir tranqüilamente. Nessa hora, valeu a dica dos brasileiros que encontramos na Bolívia, que já tinham passado pelo Peru e a tinham pegado de outros que também tinham passado por lá: não precisa chamar, mas apenas ameace chamar a polícia e eles vão te estender um tapete vermelho sem demora. Nisso, perdida a moral com a fala do motorista, e depois do Uans anotar a placa e usar a tática dos tais brasileiros, o menino e o novo motorista nos pagaram a passagem no ônibus, que por sinal – veja como são as coisas – era da mesma empresa. Era um ônibus um pouco menos sujo do que aquele em que estávamos, mas finalmente pudemos dormir de verdade. Paramos, já com sol, apenas pra tomar café e, de volta à minha poltrona, peguei de novo no sono – aquela noite foi a que mais o desregulou. Acordei com o Uans me entregando minha mochila pequena e falando pra tomar cuidado porque ela tinha caído do bagageiro acima da minha cabeça e estava rolando pelo corredor, bem ao lado do recente vômito dum velho, que eu nem cheguei a ver onde estava. Antes de eu dormir de novo, o ônibus parou porque a estrada estava interditada e só ouvimos o motorista: “Ih... es un asalto...”. Ficamos nos perguntando se realmente tínhamos ouvido aquilo, mas logo depois estávamos de novo em movimento. Era um pequeno desvio por causa de obras na pista. Passado o desvio, paramos de novo pra esperar um cara que veio correndo atrás do ônibus: era o menino que tinha nos dado informações boas de Cuzco e que tinha sido esquecido no café-da-manhã. Enfim, depois de muitas voltas, chegamos à cidade mais difícil de chegar nessa viagem! Não havia dúvida, estávamos no umbigo. Mal podíamos acreditar.

Na rodoviária mesmo nos informamos de como chegar ao terminal para Urubamba. Pegamos um táxi, paramos no terminal e, antes de embarcar, fomos procurar nosso pollo con papas mais barato. Comemos bem – encontramos até Coca gelada! – e entramos no micro-ônibus pra Urubamba pagando somente 3 Soles. Uma hora e meia pela mesma estrada pela qual chegamos a Cuzco. Em Urubamba só atravessamos o terminal e pegamos a primeira van dali pra Ollantaytambo – 1 Sol. Tudo isso porque, segundo informações da internet, o único jeito (tirando a trilha inca que já não tinha “vaga”) de chegar a Machu Picchu era o trem que saía de Cuzco. Saía de Cuzco, mas ele passava por Urubamba e Ollantaytambo. Assim, pagaríamos muito menos pelo bilhete de trem se saíssemos já de Ollanta – como eles chamam. Já sabíamos que, mesmo assim, ele seria caro, mas quando chegamos à bilheteria, que estava para abrir, vimos que o preço era quase o dobro do que tínhamos olhado na internet. O trem mais caro do mundo nos fez gastar US$30,00 cada um, só de ida, até Águas Calientes. E o pior, devido à intensa procura, só poderíamos pegá-lo no dia seguinte, teríamos que dormir em Ollantaytambo, acordar cedo e correr pra estação, e a passagem de volta seria para o outro dia ainda, também de manhã, teríamos que dormir em Águas Calientes. Isso, além de esgotar nosso dinheiro, nos fez perder muito tempo parados à toa – pela primeira vez – em cidades onde não havia passeios a fazer. Bom, a primeira tinha ruínas para se ver, mas como já estava de tarde e não tínhamos encontrado ainda um hotel pra ficar e precisássemos urgentemente de banho, não havia a menor condição de fazê-lo.

Encontramos, com muito custo, o hotel de que todos tentavam nos informar (os peruanos que conhecemos têm uma incrível falta de noção espacial e de boa vontade pra informações). Uma menina de uns dez anos nos atendeu muito bem (o que destoou gritantemente dos demais peruanos) e nos mostrou o quarto onde dormiríamos. Tinha quatro camas e já entramos ocupando as quatro. Fui o primeiro a ir atrás do banho. A mulher de lá me mostrou e deu informações precisas do banheiro. Fiquei impressionado e quase voltei só pra gritar pro Uans que aquele banheiro tinha lugar de pendurar até o chinelo, se eu quisesse! Mas o cansaço não me permitiu sair dali e, quando finalmente entrei: água gelada! Claro, já estava acostumado, não se pode cantar vitória antes da hora. Vesti de novo minha roupa, chamei a moça e ela disse que não tinha conserto, mas que tinha outro banheiro. Vamos lá. Esperei uma gringa sair dele e entrei com minhas sacolas. Depois de agradecer à moça e fechar a porta, bom, no caso, encostá-la, porque não tinha trava nem trinco nem nada pra fechá-la, percebi logo que não havia lugar pra pendurar nada, nem mesmo a toalha. Mas minha atual preocupação era mesmo a porta, já que o banheiro não oferecia nenhum canto pra me esconder caso um vento a abrisse. Pelo menos a água é bem quente. Tomei meu banho sem maiores problemas além da constante desconfiança, que me fazia olhar fixamente para a entrada enquanto estava debaixo do chuveiro, que ficou mais aguçada quando ouvi vozes de gringas lá fora que conversavam baixo e riam muito. Depois disso, foi só procurar um bom jantar com nosso menu oficial. Claro que não sem passar raiva com as informações imprecisas e mal-dadas e com o péssimo atendimento das pessoas dos armazéns – isso porque só queríamos comprar água, chocolate e biscoitos pro dia seguinte! Voltamos pro hotel, onde fomos apresentados ao companheiro de quarto, um cara do País Basco aparentando um jogador de rúgbi, e apagar de sono.